Uma Senhora Capicua!


Dizem que as capicuas são dos melhores anos da nossa vida. Eu transcrevia e agora confirmo. Dos 11 pouco me lembro mas cá me parece que foi também um bom ano. Agora é certo que os 22 foram qualquer coisa de brutal.

Consegui ter "tomates" para desistir do curso. Mundo inteiro contra, e difícil foi também para mim depois de quatro anos entregar o papel com o quadrado preenchido a confirmar que era mesmo o fim. Mas a sensação de alívio após e a certeza durante este tempo todo de ter tomado a decisão certa compensaram.

O avô deixou-nos mas até aquilo que nos causa mais dor conseguiu ser das alturas mais pacíficas. A confirmação de que a minha família é perfeita (sim, a perfeição existe como tentei a correr explicar à Ana) é simplismente preenchente. De ver que nas situações mais dificéis estamos lá, todos juntos, uns para os outros, e de ver que o Avô não podia ter tido uma despedida mais serena e afectiva. Pela pessoa que foi, e pela vida que teve, pelo orgulho que sinto, e pela gratidão pela oportunidade de ter vivido estes 22 anos com ele presente.

Ter conseguido voltar à Polónia. Aquele bichinho que ruía cá dentro de ter que voltar a pôr os pés naquela terra foi satisfeito. Voltar a sentir os cheiros, os sabores, o frio. Entrar no dormitório onde tanto se passou e voltar a ver caras conhecidas. Pela enorme veracidade na surpresa do Dominik quando me viu frente ao bengaleiro a pedir um casaco. Pela cerveja quente do panorama. Pelo carinho das senhoras da recepção que ainda sabiam o meu nome e o gritaram com tanto entusiasmo.

Pela EA. Por todos os momentos, todas as reuniões, todos as tardes no cais. Todas as vendas, todos os campos de trabalho, todos os eventos. Todas as partilhas. Todas as conversas, todos os sorrisos, todas as gargalhadas. Por todos os confortos de quando não se estava lá mas só de pensar me punha mais bem disposta. Por todos os confortos nas alturas mais dificéis.

Pela doença da mãe. E pela lufada de vontade que esta lhe trouxe. Por tudo ter corrido bem e pela mudança que espero vir a resultar dela.

Pela minha mudança. Por tudo aquilo que acho que cresci este ano e pela melhor pessoa que acho que me tornei.

Pelas viagens. Por ter conseguido visitar quem queria, e por ter percebido que a república checa era mais utópico. Conversas de café que tem a sua piada quando são surpreendentemente realizadas mas que nem sempre passam de meras fantasias.

Por Moçambique. Por ter conseguido realizar um sonho. Pelos manos, pelos miúdos, pelos padres, pela missão, pela comunidade. Pela terra, pelos cheiros, pelos sabores, pela diferença. Pela música. Pela lua. Pelos 52 dias de plenitude, pelos sorrisos e pela "melancolia".

Pelo regresso ao meu país e pelo consolo que é trabalhar em coisas que me dão tanto gosto. Pelo hostel que mais que o tempo me preenche o espírito. Pelas miúdas que sem saberem ajudam-me mais do que eu a elas.

Pelos amigos. E neles incluo a família porque é um orgulho poder chamar-lhes mais do que pessoas do mesmo sangue. Por todos os pedaçinhos que preenchem em mim e por aquilo que me transformam.

Agora é só arranjar um "eles dizem" para os 23 correrem pelo menos tão bem como o último ano. Parabéns a mim, àqueles que me constroem e às experiências que me enriquecem. As minhas peças do puzzle sem as quais não seria eu. Hoje despeço-me duma capicua, até 2029, mas faço-o com o sorriso mais feliz na cara. Obrigada.